UMA OUTRA PERSPECTIVA SOBRE A REALIDADE
O Covid-19 como convite para rever a Humanidade e a evolução da espécie.
Não precisamos ser especialistas em antropologia, geografia ou história para reconhecermos, sem sombra de dúvida, que o planeta onde estamos gira e que por isso há dia e noite e diferentes fases lunares. Mas nunca foi tão evidente que o que é certo agora não é necessariamente a verdade nos minutos seguintes.
Vivemos num momento em que tudo acontece muito rápido.
O conhecimento é instantâneo e o acesso ao mesmo depende apenas da velocidade de rede, os alimentos crescem em poucos dias, em qualquer altura do ano, e as vacinas criam-se em poucos meses sem necessidade de protocolos que eram até aqui fundamentais.
O Mundo como o conhecíamos, como estudávamos, mudou e estamos tão abismados com a mudança que nos esquecemos de que ela acontece sem se preocupar com referendos, oposição ou concordância.
O Mundo mudou mas convidou-nos a mudar com ele. Deu-nos tempo para mudar, mas o tempo dele. A Natureza é soberana e nós impertinentes talvez por isso não vejamos o convite para percebermos que a Humanidade talvez não tenha grande chance contra o que não vê, mas o Sapiens pode evoluir.
Importa esclarecer à partida que não sou negacionista (seja lá o que isso for na cabeça de cada um dos leitores), fundamentalista (apesar de ter o direito de pensar diferente) nem tão pouco evangelizadora (o título deste texto não é “a verdade sobre a actualidade” mas sim “uma reflexão sobre a actualidade”).
Peço ao leitor que apresenta níveis de irritabilidade com a leitura que feche a página pois não vale mesmo a pena irritar-se com este texto (ele terá menos de uma centena de leitores, asseguro-lhe que raramente alguém partilha os meus textos… fosse assim com o contágio e a humanidade estaria segura). Se por outro lado a teimosia, curiosidade ou indignação o fizer ler o texto até ao fim talvez haja espaço para refletir sobre qual de nós não aceita uma opinião diferente querendo fazer valer a sua opinião como a verdade absoluta.
Esclarecido isto seguimos.
Observar e sentir o dia antes de me manifestar sobre as previsões que fizeram sobre ele é a minha forma de ser e acredite que até aqui em casa gera celeuma com o meu marido que não compreende porque não escolho a roupa dos miúdos no dia anterior.
Acordar e abrir a porta, sair lá para fora e observar a natureza por uns minutos em silêncio é, para mim, contactar a existência e reintegrar-me a cada dia com o que é um facto, uma verdade e uma observação directa. O tempo é o que é e não o que eu quero que seja. Só chove quando estão reunidas as condições perfeitas para chover. Não se trata de ser o dia certo ou a época do ano. A Natureza está pouco se borrifando para as previsões e não se preocupa com a agenda. A Natureza não tem perfil de instagram nem necessita de likes e shares. A Natureza é, existe. Podemos aceitar ou fazer birra, para ela dá igual. Ela estava cá antes, já acolheu milhares de espécies, e aqui permanece após extinção de tantas e tantas espécies e culturas e aqui continuará quando a humanidade se extinguir.
A Natureza pacientemente acolhe a nossa evolução mas está a ficar, aos meus olhos, um pouco cansada da nossa pouca esperteza, ou como diz o meu Pai, farta da nossa “esperteza saloia”. Temos a mania que somos a espécie dominante e que controlamos o Mundo, que o Mundo precisa de nós. Mas os dinossauros também dominavam o Mundo e agora servem de tema a Museus. Aliás qualquer “um” que tenha tentado dominar o Mundo acabou nos livros de história como histórias, a maior parte delas tristes.
A Covid-19 não está aqui para dominar o Mundo ou exterminar a humanidade. Se fosse para isso talvez a Natureza tivesse usado algo tão mortal como o ébola. A verdade é que a Covid-19 é uma aprendizagem exigente mas suave e que nos dá a oportunidade de aprender. A questão é que numa Humanidade de canudos poucos sabem sobre a vida. Eu também sei pouco mas reflito bastante.
Os temas que motivaram reflexões:
1. Os Números
A matemática é uma criação do Homem na tentativa de se aproximar do código da criação global. Porém a equação para a criação global continua um Divino Mistério. Por isso, quando acontece algo que não entendemos refugiamo-nos nos números. Quantos mortos, quantos recuperados, quantos infectados, quantos testes, quantos segundos para lavar as mãos, quantas horas dura a máscara, quantas lavagens. O quantitativo está de tal forma destacado que já nem o relacionamos ou procuramos ter uma análise critica sobre os números e então, como qualquer criança mais esperta, brincamos com os números fazendo magia aos que ainda não perceberam a lógica matemática, fazendo-os acreditar no que queremos. É fácil assim.
Não é preciso ter um doutoramento em matemática para perceber a diferença entre milhares e milhões e entender que falamos apenas daquilo que tem registo e por isso não da realidade. É preciso ter discernimento para o que a matemática nos mostra sem a interpretar ao nosso gosto catastrófico de querer gerar o pânico. Talvez se fossemos todos mais honestos, fossemos também mais conscientes. Sim, morrem milhares de pessoas mas são muitas mais as que recuperam. Existem milhões de pessoas infectadas mas na verdade muitas mais do que as que sabemos pois a exactidão obrigaria a falar de pessoas diagnosticadas.
A questão não está no número a questão está no registo. Pois pertencer aos números significa que de alguma forma sentimos o contágio e somos responsáveis por ele (o nosso e o de outros).
2. Os contágios
Paolo Giordano escreve “O Cov-2 não se interessa por quase nada de nós, não se interessa pela nossa idade, nem pelo nosso sexo, nem pela nossa nacionalidade, nem pelas nossas preferências.” Estas palavras foram bastante esclarecedoras para mim no que diz respeito à democracia do contágio. Todos podemos e vamos ser eventualmente contagiados.
Eu fiz parte dos números de infectados em Julho de 2020 e correu bem, fiz parte também do número de recuperados. Porém, não tive nem um sintoma o que fazia de mim um potencial vazio numérico não fosse o meu marido ter sintomas e me ter levado a fazer o teste.
A pandemia teve um efeito revolucionário na forma como pensamos a nossa individualidade. De repente, em 2020, passamos a ver-nos como pertencentes a uma colectividade e o que fazemos ou não fazemos deixou de dizer exclusivamente respeito a cada um de nós para nos convidar, agora, a ter em conta a presença do outro nas nossas escolhas individuais.
Philip Warren Anderson tinha afinal razão quando, no século passado, afirmou que “o efeito cumulativo das nossas ações individuais sobre a colectividade é diferente da soma dos efeitos individuais. Se somos muitos, cada comportamento nosso tem consequências globais abstratas e difíceis de conceber”. Talvez o contágio seja o sistema mais democrático e honesto neste momento, não aceita luvas, não aceita imunidade política, não esquece mercenários. O contágio coloca-nos em igualdade nesta questão de Ser humano na actualidade apesar de a política nos fazer querer acreditar que o contágio tem horário estabelecido, zonas demarcadas e férias sempre que há futebol ou encontros políticos.
É importante percebermos que estamos perante qualquer coisa maior, que merece a nossa atenção e o nosso respeito. Que exige de nós todo o sacrifício e toda a responsabilidade de que sejamos capazes de perceber o impacto das nossas ações nos outros e as ações dos outros em nós. Só isso travará o contágio e não as máscaras (senão como justificamos o aumento dos números num momento em que as máscaras dominam o planeta e o álcool gel está mais presente do que a água com sabão).
3. As máscaras
Ah, se ao menos usássemos as máscaras direito. Se ao menos elas tapassem a boca impedindo tanta verborreia, tanta autoridade, tanto pseudo-sabedoria, tantas teorias e tantas certezas num momento claramente marcado pelo desconhecido e pela incerteza.
As máscaras limitam a acção da boca mas também a percepção através da boca. As máscaras quando bem colocadas limitam a captação do prana mas também o olfacto e o nariz empinado. As máscaras são um convite evidente a falar menos e a ouvir mais. A comer menos e jejuar mais. A olhar mais nos olhos. Quão mais silencioso e verdadeiro seria o Mundo se usássemos bem as máscaras. Se vissemos mais, se ouvíssemos mais. Se fossemos mais humanos e menos super-heróis e ditadores de uma política, certeza e sabedoria que é cada vez mais tirana e menos democrática.
4. O Confinamento
John Donne escreveu “nenhum homem é uma ilha” e, apesar de o ter escrito há 4 séculos atrás, parece que o confinamento nos veio confrontar com essa dura realidade.
Até confinarmos vivíamos em ilhas pessoais sem nos apercebermos! Partilhávamos a nossa própria ilha sem saber, talvez nos cruzássemos raríssimas vezes com os restantes habitantes ou talvez estivéssemos demasiado cansados e absorvidos nas nossas vidas para perceber as suas presenças próximas e por isso foi tão duro para a maioria perceber que havia mais gente na Ilha e que tínhamos agora de partilhar o espaço o tempo todo. De repente os outros que optamos ter perto pareceram estar demasiado próximos e isso gerou desconforto e rupturas (acho que só não nos separamos dos filhos porque não é permitido mas saltamos de alegria com a carta de alforria de os mandar de novo para a escola). Mas confinar foi também um convite para nos confrotarmos com a vida que escolhemos, usufruirmos do espaço pelo qual hipotecamos a liberdade de fazer o que gostamos, para fazermos o que precisamos para pagar um espaço do qual esperamos um dia usufruir mas que na primeira oportunidade, vulgo férias, abandonamos.
Acredito que a Covid-19 se apresenta menos como uma ameaça e mais como um convite para rever a humanidade e a evolução da espécie através de uma outra perspectiva sobre a realidade. O que tínhamos como certo, como normal, como real foi suspenso e ninguém pode prever por quanto tempo, arriscaria no “para sempre”, até o para sempre durar. Agora é o tempo da novidade, da mudança, do desconhecido e é melhor começarmos a deixar de fazer birra e a aprender a viver nesta nova realidade. Esta é a grande vantagem dos vírus, são mais hábeis do que nós a adaptarem-se a novas realidades. Convém-nos aprender com eles a fazer um melhor uso do que temos e repensarmos COMO QUEREMOS RECOMEÇAR.
– Obra de arte apresentada na imagem é da autoria de Cláudia Santos. Uma obra realizada e vendida na exposição Arte de Bolso na Galeria Sete em Coimbra 🙃
Fundadora do método BMQ
Formadora da AMAYUR
Formadora reconhecida pela YOGA ALLIANCE
Terapeuta Ayurveda Sénior
Professora Sénior de Yoga.